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O que é um “Trust”?

Por Beatriz Martinez e Julia do Val

 

Muito se escuta sobre trust na mídia e pouco se compreende, já que este instrumento não faz parte do nosso ordenamento jurídico. Há ainda a noção pejorativa do instituto, ligada à ocultação de patrimônio advindo de finalidades ilícitas, que vende mais notícia e ganha maior visibilidade em face dos corretos usos do trust, e ainda afasta muitos daqueles que poderiam se beneficiar do trust para fins de planejamento patrimonial e sucessório. Mas, afinal, o que é um trust?

O trust é uma relação jurídica estabelecida entre três partes: 

  • Um indivíduo (denominado settlor) que contribui ativos para o trust; 
  • Pessoas ou instituições (denominadas beneficiários) que se beneficiarão da propriedade e de eventuais rendimentos desses ativos, seja imediatamente ou no futuro; 
  • E indivíduo(s) ou empresa(s) (denominado trustee) nomeadas pelo settlor para administrar os ativos do trust e garantir que o acesso a tais ativos pelos beneficiários aconteça de acordo com as suas vontades, manifestadas no instrumento de constituição do trust. 

O trust nasce da vontade de se afetar determinado patrimônio. Em linhas gerais, o settlor, proprietário dos bens que formarão o trust (trust fund), transfere ao trustee a propriedade do trust fund para que este o administre e, conforme previsto no instrumento de constituição do trust, o transfira aos beneficiários. Diante de tal transferência, o trustee passa a ser o proprietário legal do trust fund, inferindo-se que nem o settlor e tampouco os beneficiários possuem plenos poderes para dispor ou alienar o trust fund a qualquer momento. Qualquer transação envolvendo o trust fund deverá ser tomada pelo trustee, em atuação estritamente vinculada ao que foi determinado pelo settlor no instrumento de constituição do trust.

Num exemplo sucessório clássico, o settlor transfere ativos ao trustee, resguardando-se direitos, como de revogar o trust, ou ter ingerência sobre a sua gestão na qualidade de protector, ou figurar como beneficiário do trust em primeiro lugar. Após seu falecimento, o trust pode ser convertido em irrevogável, o cônjuge sobrevivente e os filhos do settlor podem integrar os órgãos de governança do trust, via comitês e supervisão, e também se qualificar como beneficiários dos ativos do trust, na medida e extensão das regras impostas pelo settlor.

Trata-se de uma figura jurídica criada para transferência de propriedade na Idade Média, originariamente em países anglo-saxões, cujos sistemas jurídicos baseiam-se na tradição de common law. A ideia de conferir os bens em caráter fiduciário surgiu da necessidade de elisão às regras vigentes à época: por exemplo, na Inglaterra, até 1540, os frades eram considerados sujeitos objetivamente incapazes de exercer a propriedade. Nesse contexto, por meio do trust, transmitiam suas terras a amigos, que exerciam a propriedade em seu favor. Hoje, tal figura é, inclusive, objeto de regulação internacional, tendo sua validade e principais características reconhecidas e disciplinadas pela Convention on the Law Applicable to Trusts and on their Recognition, aprovada em 01.07.1985, na Conferência de Haia sobre o Direito Internacional Privado.  

Ainda que o Brasil não seja signatário da referida convenção e que não exista a figura do trust, nem mesmo outro instituto jurídico que lhe corresponda perfeitamente no ordenamento pátrio, um trust validamente constituído no exterior, segundo leis estrangeiras, deve ser aceito e reconhecido no País. Neste cenário, o trust se apresenta como importante ferramenta para planejamentos patrimoniais e sucessórios de brasileiros com patrimônio relevante no exterior, vez que o instituto oferece flexibilidade e autonomia ao settlor seja para regular questões de governança familiar seja para endereçar objetivos filantrópicos e caritativos.

A recomendação do uso do trust deve ser avaliada junto a profissionais capacitados e experientes no assunto, capazes de ponderar os benefícios jurídicos do instituto em contraposição aos custos de formação e manutenção da estrutura, assim como os impactos fiscais, que podem ser positivos ou negativos, a depender do tipo de ativo e jurisdição envolvida. Nosso escritório possui forte atuação na área, além de ampla rede de contatos, para aconselhamento em questões jurídicas e regulatórias nos diversos países que precisarem ser envolvidos na estrutura.

 

 

As informações presentes neste conteúdo não devem ser utilizadas para fins de consultoria. Cada caso deve ser analisado de forma individual. Nossa equipe está à disposição para auxiliá-lo.