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CARF analisa caso de ganho de capital na venda indireta offshore

Por Humberto Sanches, Juliana Cardoso, Ana Beatriz Cammarota e Juliana Midori

 

No início de fevereiro de 2023, o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (“CARF”) julgou autuação de imposto de renda sobre o ganho de capital do investidor estrangeiro na alienação de ativos localizados no Brasil (acórdão n° 2402-011.061, julgado pela 4ª Câmara / 2ª Turma Ordinária da 2ª Seção de Julgamento, e publicado em 3 de abril). No caso, uma empresa brasileira havia adquirido participação societária de uma empresa estrangeira detida por investidores pessoas físicas e jurídicas no exterior.

A Target (empresa estrangeira objeto da operação) era uma holding domiciliada na Espanha, que tinha como únicos ativos o investimento em duas empresas operacionais domiciliadas no Brasil. Ao efetuar a remessa do preço aos vendedores no exterior, a empresa brasileira não efetuou a retenção do imposto de renda retido na fonte (“IRRF”), por entender que a operação não estaria sujeita à tributação no Brasil, uma vez que o objeto da operação seria um ativo localizado no exterior e, não se tratando de bem localizado no Brasil, estaria afastada a incidência da regra prevista no art. 26 da Lei nº 10.833/2003.

Com efeito, o art. 26 da Lei nº 10.833/2003 atribui ao adquirente residente no Brasil a responsabilidade pela retenção e recolhimento do imposto de renda sobre o ganho de capital do alienante residente ou domiciliado no exterior, quando a operação envolver bem ou direito localizado no Brasil.

No entendimento da fiscalização, a essência da operação era a alienação dos ativos subjacentes localizados no Brasil, e não a holding espanhola, o que estaria evidenciado pela ausência de substância econômica da holding, que não possuía funcionários e nem exercia atividade econômica substantiva. Ainda, a fiscalização apontou que os documentos da operação faziam referência aos ativos localizados no Brasil (i.e., citações em relatórios de auditorias, fatos relevantes, ato de concentração, o próprio contrato de compra e venda e incorporação, laudos de avaliações, apurações de ágios e demais documentação).

Por maioria de votos, o CARF decidiu manter a autuação sob o fundamento de que a operação deveria ser desconsiderada, já que a interposição da holding espanhola não teria propósito negocial e a holding se caracterizaria como uma “conduit company”, isto é, uma empresa-veículo. Nos termos do voto relator, uma vez desconsiderada a estrutura societária, seria devido o IRRF sobre o ganho de capital auferido pelos estrangeiros na alienação de bem localizado no Brasil.

Importante notarmos que muito embora o CARF tenha decidido por manter a autuação sob o fundamento de que a operação deveria ser desconsiderada, este notoriamente se manifestou pela não ocorrência de fraude, dolo e/ou simulação por parte do contribuinte e não aplicou a multa qualificada (i.e. 150%). Ora, em sendo assim, qual seria a justificativa do CARF para desconsiderar a estrutura e tributar a venda indireta? Estaria correto o CARF ao desconsiderar a estrutura sob o argumento de que a holding não tem qualquer outra função que não deter investimentos, e que, portanto, faltaria substância e propósito negocial na sua existência?

Não é a primeira vez que o CARF analisa e mantém autuações que visam a tributar o ganho de capital decorrente das chamadas vendas indiretas offshore, isto é, operações de alienação de participação societária de empresa localizada no exterior, mas cujos ativos estejam localizados no Brasil. A regra brasileira sobre ganhos de capital do investidor estrangeiro alcança apenas as operações de venda direta (art. 26 da Lei nº 10.833/2003), e não há previsão expressa permitindo a tributação das vendas indiretas. Diante disso, a alternativa encontrada pelas autoridades fiscais para alcançar as vendas indiretas tem sido a desconsideração da estrutura societária sob o argumento de ausência de propósito negocial e substância econômica, de modo a tratar a operação como venda direta, sujeita a tributação do ganho de capital no Brasil.

O tema da tributação do ganho de capital em alienações indiretas tem sido um motivo de preocupação crescente, principalmente entre países em desenvolvimento ou ricos em recursos naturais. Diversos países já tributam ou tem apresentado propostas para tributar vendas indiretas, como Austrália, Canadá, China, Ecuador, Gana, Índia, Peru, Reino Unido, Tanzânia, Uganda, Vietnã e Zâmbia. Nesse contexto, destacamos que o Brasil apresentou em 2021 uma proposta para tributar vendas indiretas, inserido no projeto de reforma tributária do imposto de renda (Projeto de Lei nº 2337/2021), mas a proposta foi logo retirada pelas emendas aprovadas na Câmara dos Deputados. O Projeto de Lei atualmente encontra-se em discussão no Senado Federal, porém não houve movimentação relevante desde que o texto chegou ao Senado.

Recomendamos aos clientes muita atenção em operações envolvendo holdings no exterior. Uma análise caso a caso precisa ser feita para dimensionamento de eventuais riscos envolvidos.

 

 

As informações presentes neste conteúdo não devem ser utilizadas para fins de consultoria. Cada caso deve ser analisado de forma individual. Nossa equipe está à disposição para auxiliá-lo.