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Alterações quanto aos herdeiros

Em continuidade à nossa série de artigos sobre o anteprojeto de lei para revisão e modernização do Código Civil (“Projeto de Revisão do Código Civil”), comentamos hoje as alterações quanto aos herdeiros.

Para aferição dos herdeiros de uma pessoa, duas análises são cruciais: a ordem de sucessão legítima e o rol de herdeiros necessários. O Projeto de Revisão do Código Civil propõe alterações sobre ambas as disposições atualmente vigentes.

Qual é a sucessão legítima?

O artigo 1.829 do Código Civil vigente disciplina os herdeiros legais de uma pessoa, incluindo, em primeiro lugar, os descendentes, em concorrência com cônjuges e companheiros, a depender do regime de bens; em segundo lugar, os ascendentes, também em concorrência com cônjuges e companheiros, porém sem ressalvas quando ao regime de bens; em terceiro lugar, os cônjuges ou companheiros sozinhos, independentemente do regime de bens; e, por último, os colaterais.

O Projeto de Revisão do Código Civil exclui cônjuges e companheiros da concorrência sucessória com descendentes e ascendentes, tirando-os, da primeira e segunda posição da ordem de sucessão legítima. Com isso, cônjuges e companheiros, se aplicada a sucessão legal, somente serão chamados a herdar na ausência completa de descendentes e ascendentes. Ou seja, em primeiro lugar, a herança caberá somente aos descendentes; em segundo, somente aos ascendentes; em terceiro, somente aos cônjuges ou companheiros; mantendo-se, em quarto, os colaterais.

Quem são os herdeiros necessários?

Em coerência com as regras acima mencionadas, a lei vigente disciplina como herdeiros obrigatórios descendentes, ascendentes e cônjuges ou companheiros. Enquanto isso, o Projeto de Revisão do Código Civil propõe que somente descendentes e ascendentes sejam considerados herdeiros obrigatórios.

Herdeiros considerados necessários possuem proteção especial. A estes é garantida uma parte mínima da herança, chamada de legítima, que tanto na lei atual quanto na lei proposta equivalem a 50% da herança da pessoa.

Constar na lista de herdeiros, mas não constar na lista de herdeiros obrigatórios importa que a pessoa pode ser afastada da sucessão por meio de um testamento. Aquele que possui descendentes ou ascendentes pode fazer testamento, mas deverá reservar, no mínimo, 50% dos bens a esses herdeiros (os primeiros em total preferência aos segundos). Já aquele que possui cônjuge/companheiro ou colaterais tem total autonomia para dispor de seus bens, podendo entregá-los em sua totalidade a qualquer pessoa.

Cônjuges e companheiros ficam desprotegidos?

Continua assegurado o direito real de habitação ao cônjuge ou companheiro sobrevivente, independente do regime de bens, sobre o imóvel que servia de moradia à família, porém de forma mais restritiva, desde que seja o “único bem a inventariar”, e não mais o único “daquela natureza a inventariar”.

Em contrapartida, o Projeto de Revisão do Código Civil dispõe que “o juiz instituirá usufruto sobre determinados bens da herança para garantir a subsistência do cônjuge ou convivente sobrevivente que comprovar insuficiência de recursos ou de patrimônio”, o que vigorará enquanto perdurar a situação de necessidade, em nítido mecanismo de compensar as modificações trazidas sobre os direitos sucessórios dos cônjuges e companheiros.

Qual o impacto trazido aos planejamentos?

Simplifica-se, com essas mudanças, o rol de herdeiros legais de uma pessoa, beneficiando-se cônjuges e companheiros somente na falta de descendentes e ascendentes, sem entrar no mérito do regime de bens que pauta o relacionamento. Ainda, caso isso não represente a vontade da pessoa, bastará celebrar um testamento, elegendo com total liberdade a quem destinar a herança.

Como consequência, a possibilidade de renúncia à herança em contratos pré-nupciais e de convivência, conforme comentado no artigo anterior da nossa série sobre o Projeto de Revisão do Código Civil, talvez não seja tão relevante. Seja porque o cônjuge/companheiro somente será chamado a receber a herança se inexistentes descendentes ou ascendentes, seja porque o afastamento via testamento é medida simples, unilateral e que pode ser modificada a qualquer tempo.

Por sua vez, quem tiver descendentes ou ascendentes, e quiser compartilhar a herança com cônjuges ou companheiros, precisará necessariamente fazer um testamento, incluindo essa pessoa como beneficiário de sua porção disponível.

Terminamos comentando que herança não se confunde com meação, direito à metade dos bens do casal assegurado àqueles que estão sujeitos a algum regime de comunhão; e a as regras aqui discutidas não serão aplicáveis às sucessões já abertas, mas somente àquelas ocorridas após a vigência de eventual nova lei que venha a ser aprovada.

 

 

*Este conteúdo foi produzido em 10 de maio de 2024.

Beatriz Martinez ([email protected]) está à disposição para esclarecer quaisquer questões adicionais relacionadas ao tema. As informações presentes neste conteúdo não devem ser utilizadas para fins de consultoria. Cada caso deve ser analisado de forma individual.