1. Home
  2. Artigos

Possibilidade de renúncia à condição de herdeiro pelo cônjuge ou convivente

Em meados do mês de abril, a comissão de juristas presidida pelo Ministro do Superior Tribunal de Justiça, Luis Felipe Salomão, apresentou ao Senado Federal o anteprojeto de lei visando à revisão e modernização do Código Civil (“Projeto de Revisão do Código Civil”).

São inúmeras as alterações propostas e, na série de artigos inaugurada hoje, comentaremos aquelas que poderão ter maiores impactos no cotidiano de nossos clientes.

O tema inicial escolhido foi a possibilidade de cônjuges e conviventes renunciarem à condição de herdeiro por meio de pacto antenupcial, pacto de união estável, ou, ainda, escritura pública pós-nupcial, conforme a alteração proposta no Projeto de Revisão do Código Civil ao art. 426.

 

Atualmente, a renúncia à condição de herdeiro inserta em pacto antenupcial ou pacto de união estável é válida?

O Código Civil dispõe no art. 426 que “não pode ser objeto de contrato a herança de pessoa viva”.

Tal dispositivo, também referido como vedação legal à pacta corvina, vem sendo interpretado por grande parte da doutrina e pela jurisprudência como vedação a que futuros cônjuges ou conviventes renunciem à condição de herdeiros ou à concorrência sucessória.

Neste ponto, vale lembrar que, conforme os arts. 1.829 e 1.845 do Código Civil, o cônjuge não somente é herdeiro necessário, como também concorre com descendentes e ascendentes no primeiro e segundo lugares da ordem de vocação hereditária, respectivamente, ainda que o regime de bens do casamento adotado seja o regime da separação convencional. O mesmo raciocínio é aplicável ao convivente, cujos direitos sucessórios foram equiparados aos do cônjuge por força de decisão do Supremo Tribunal Federal.

Não é, portanto, considerada válida, hoje, a renúncia à condição de herdeiro ou à concorrência sucessória inserida em pacto antenupcial ou pacto de união estável.

Sem prejuízo, são sólidos os argumentos que contrariam a posição acima, em resumo, porque a renúncia tem caráter de negócio jurídico unilateral, que se distingue do contrato a que se refere o art. 426 do Código Civil; e, ainda, porque aquele que renuncia à condição de herdeiro ou à concorrência sucessória não tem expectativas quanto à morte de seu cônjuge ou convivente, não auferindo vantagens patrimoniais dela derivadas. Ao contrário, o renunciante procura afastar qualquer ganho com o falecimento de seu cônjuge ou convivente.

Com fundamento nos argumentos favoráveis à renúncia, bem como considerando a possibilidade de uma alteração legislativa, ou mudança do posicionamento da jurisprudência, não são raros os pactos antenupciais e de união estável que contemplam a renúncia, a despeito de, atualmente, esta não ser aceita.

Devem ser sempre adotados, contudo, cuidados especiais quanto à forma, visando mitigar entraves ao registro dos pactos no Livro n° 3 – Registro Auxiliar do Cartório de Registro de Imóveis com circunscrição sobre o domicílio das partes, o que se mostra necessário para que tais pactos produzam efeitos contra terceiros.

 

Como fica a renúncia à condição de herdeiro inserta em pacto antenupcial ou pacto de união estável conforme o Projeto de Reforma do Código Civil?

O Projeto de Reforma do Código Civil não procura alterar a regra básica do seu art. 426, segundo a qual não pode ser contratada a herança de pessoa viva.

Entretanto, a redação proposta pelo Projeto de Reforma do Código Civil, inserindo incisos e parágrafos no referido dispositivo, afirma que não são considerados contratos tendo por objeto herança de pessoa viva os negócios “que permitam aos nubentes ou conviventes, por pacto antenupcial ou convivencial, renunciar à condição de herdeiro”. Dessa forma, afasta-se expressamente este tipo de renúncia da vedação geral à pacta corvina prevista no art. 426 do Código Civil.

Além da possibilidade de a renúncia ser objeto de pacto antenupcial ou de escritura pública de união estável, a proposta ainda contempla a possibilidade desta renúncia estar contida em escritura pública pós-nupcial, sendo, assim, passível de ser manifestada até mesmo após o casamento.

Também são disciplinados nos parágrafos que se propõe acrescer ao art. 426 do Código Civil:

  1. A possibilidade de a renúncia ser condicionada à sobrevivência ou não de parentes sucessíveis de qualquer classe, bem como de outras pessoas, nos termos do art. 1.829 do Código Civil, não sendo necessário que a condição seja recíproca;
  2. A possibilidade de a renúncia também excluir expressamente o direito real de habitação de que trata o art. 1.831 do Código Civil; e
  3. A ineficácia da renúncia se, no momento da morte do cônjuge ou convivente, o falecido não deixar parentes sucessíveis, segundo a ordem de vocação hereditária.

 

Quão necessária se tornará a renúncia se mantido inalterado o texto do Projeto de Código Civil?

Conforme se verá no próximo artigo da série, o Projeto de Código Civil trouxe mudanças significativas no que se refere ao cônjuge e ao convivente na ordem de vocação hereditária e no rol de herdeiros necessários, de forma a que, a rigor, a renúncia à condição de herdeiro poderá se tornar até mesmo desnecessária ante a existência de testamento válido.

 

 

*Este conteúdo foi produzido em 3 de maio de 2024.

Adriane Pacheco ([email protected]) está à disposição para esclarecer quaisquer questões adicionais relacionadas ao tema. As informações presentes neste conteúdo não devem ser utilizadas para fins de consultoria. Cada caso deve ser analisado de forma individual.