DIRPF 2023: Como declarar e tributar rendimentos oriundos de um Trust no exterior no Imposto de Renda de Pessoa Física?
Em continuidade à nossa série de informativos com esclarecimentos sobre o preenchimento da Declaração do Imposto de Renda de Pessoa Física (“DIRPF”), referente ao exercício 2023 (ano-calendário 2022), abordaremos agora o tratamento tributário a ser dispensado aos rendimentos oriundos de um Trust no exterior.
Os outros conteúdos sobre a DIRPF podem ser consultados em nosso site, dentre eles os informativos sobre como declarar stock options, criptoativos, investimentos em fundos e em renda variável, investimentos no exterior e investimentos em seguro de vida e previdência privada.
O que é um Trust?
O Trust é o instituto constituído por meio de manifestação de última vontade ou por meio de um contrato, em que o seu instituidor (o “Settlor”) transfere a propriedade de seus bens a um terceiro (o “Trustee”), o qual assume a obrigação de administrá-los em benefício do próprio Settlor ou de pessoas por ele indicadas (os “beneficiários”).
Assim, podemos dizer que o Trust pressupõe uma relação jurídica estabelecida entre três partes:
- o Settlor, que manifesta sua vontade unilateralmente, por ato inter-vivos ou por determinação testamentária, e contribui ativos para o Trust (“Trust Fund”) mediante a celebração de um documento, normalmente denominado Trust Deed;
- o Trustee, (indivíduo(s) ou empresa(s)) nomeado(s) pelo Settlor para administrar o Trust Fund, conforme as disposições do Trust Deed, e garantir que o acesso a tais ativos ou seus rendimentos pelos beneficiários aconteça de acordo com as vontades e diretrizes estabelecidas pelo Settlor; e
- os beneficiários (pessoas físicas ou jurídicas).
Existem diversas modalidades de Trust, destacando-se: (i) revogável ou irrevogável, a depender da possibilidade de reversão patrimonial ao Settlor; (ii) discricionário ou não discricionário, a depender dos poderes concedidos ao Trustee na administração e distribuição do Trust Fund aos beneficiários.
O Trust existe no Brasil? Como a Receita Federal se posiciona sobre o tema?
Embora no Brasil não exista instituto jurídico com as mesmas características de um Trust, se ele for validamente constituído no exterior, o Trust deve ser aceito e reconhecido no País, sempre observadas determinadas normas de ordem pública.
O Brasil não é signatário da Convenção de Haia sobre Trusts, que foi celebrada com o objetivo de facilitar a compreensão e harmonização dos Trusts com os ordenamentos jurídicos de países cujo direito é baseado no sistema jurídico romano-germânico, caso, por exemplo, do Brasil.
Durante muito tempo, não houve qualquer posicionamento formal da Receita Federal do Brasil sobre os Trusts.
Em 2016, no contexto do Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária (“RERCT”), a Receita Federal emitiu os primeiros posicionamentos sobre o tema, indicando a necessidade de declaração dos ativos detidos por meio de Trusts na DIRPF.
Em 2020, por meio da Solução de Consulta COSIT nº 41/2020, a Receita Federal manifestou-se pela primeira vez sobre a tributação de rendimentos oriundos de Trust, sujeitando-os à incidência do imposto sobre a renda, à alíquota progressiva de até 27,50%, sob a forma de recolhimento mensal obrigatório (carnê-leão), mesmo que os valores recebidos não fossem efetivamente transferidos para o Brasil.
Outros entendimentos similares são verificados em algumas decisões em âmbito judicial, cujo embasamento encontra-se em referida Solução de Consulta.
Apesar dos posicionamentos acima, quanto à incidência do imposto sobre a renda, o tema ainda é novo no Brasil e necessita ser analisado individualmente.
As características específicas de cada Trust devem ser ponderadas no caso concreto a fim de se confirmar a natureza jurídica dos valores recebidos sob a ótica da legislação brasileira, seja como doação/herança, seja como ganho de capital ou rendimento ordinário.
Qual deverá ser o tratamento tributário a ser dispensado quanto às distribuições de Trust aos beneficiários residentes no Brasil?
Na ausência de uma legislação específica que regule o Trust no Brasil, bem como a sua respectiva tributação, o tema em discussão é controverso e deve ser analisado caso a caso.
Não há como aplicar genericamente tratamento tributário único para todos os tipos de distribuições oriundas de Trusts a beneficiários residentes fiscais no Brasil, sem considerar as peculiaridades do instituto no caso concreto.
Como os beneficiários devem, então, informar as distribuições feitas por Trusts em suas DIRPFs?
Devem ser observadas as normas gerais de direito civil e tributário, bem como os pronunciamentos das autoridades fiscais sobre o tema, devendo ser consideradas as características individuais de cada Trust.
Em linha com os pronunciamentos recentes da Receita Federal sobre o tema, os rendimentos recebidos pelos beneficiários, quando pessoas físicas residentes fiscais no Brasil, estariam sujeitos à incidência do imposto sobre a renda, à alíquota progressiva de até 27,50% sobre o montante total recebido.
Em nosso entendimento, contudo, a posição da Receita Federal é controversa e não se aplica a todas as situações. Reiteramos que as características específicas de cada Trust devem ser ponderadas no caso concreto a fim de se confirmar a natureza jurídica dos valores recebidos sob a ótica da legislação tributária brasileira, seja como doação/herança, seja como rendimento ordinário ou até mesmo ganho de capital.
A depender da natureza jurídica, campos diferentes da DIRPF poderão ser preenchidos.
Caso, em linha com as recentes decisões da Receita Federal, entenda-se que as distribuições sejam submetidas à incidência do imposto sobre a renda, (carnê-leão), a Ficha de “Rendimentos Tributáveis Recebidos de Pessoa Física e do Exterior pelo Titular” deverá ser preenchida.
Há de se observar que, a partir do ano-calendário 2022, o preenchimento do carnê-leão é realizado integralmente online, por meio de conta “gov.br”. Esses dados deverão ser importados para a DIRPF.
É possível o preenchimento da Ficha de “Bens e Direitos”, se os ativos pertencentes ao Trust forem declarados, com base, por exemplo, nas manifestações da Receita Federal à época do RERCT. Por outro lado, no caso de Trust irrevogável, a depender da forma como caracterizada a distribuição dos ativos e/ou eventual discricionariedade concedida ao Trustee, é possível que os beneficiários não estejam obrigados a informar o Trust e/ou os ativos detidos por meio de Trust em suas DIRPFs.
Lembramos que não há orientação expressa da Receita Federal sobre o preenchimento da DIRPF para informar os rendimentos ou ativos detidos no exterior em Trust. Por isso a confirmação sobre o tratamento fiscal aplicável e sobre como devem ser reportadas as distribuições deverá ser realizada caso a caso.
Estamos à disposição para auxiliá-lo a esclarecer eventuais dúvidas!
As informações presentes neste conteúdo não devem ser utilizadas para fins de consultoria. Cada caso deve ser analisado de forma individual. Nossa equipe está à disposição para auxiliá-lo.