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Alteração de regime de bens extrajudicial

Dando seguimento à nossa série de artigos sobre o anteprojeto de lei para revisão e modernização do Código Civil (“Projeto de Revisão do Código Civil”), hoje falaremos sobre a possibilidade de se alterar o regime de bens de um casamento ou união estável pela via extrajudicial. Os textos anteriores da série podem ser acessados ao final desse conteúdo.

 

Quais são os atuais requisitos para modificação do regime de bens de um casamento e na união estável?

Atualmente, vigoram sistemáticas distintas para a alteração do regime de bens de um casamento e de uma união estável.

Para a alteração do regime de bens do casamento, sob o artigo 1.639, §2º, do Código Civil, são impostas, cumulativamente, as seguintes condições: (i) autorização judicial; (ii) pedido conjunto dos cônjuges; (iii) motivação para o pedido; e (iv) preservação dos direitos de terceiros.

Contudo, desde a edição do atual Código Civil até hoje, viu-se que o requisito da motivação para a alteração do regime de bens do casamento tornou-se irrelevante na jurisprudência pátria. Isso porque não cabe ao Poder Judiciário se imiscuir desnecessariamente na comunhão de vida instituída pela família, tal como preconiza o artigo 1.513 do Código Civil, corolário dos direitos fundamentais à proteção da intimidade e da vida privada, assegurados no artigo 5º, inciso X, da Constituição Federal.

Tratando-se de união estável, existe a possibilidade de a alteração de regime de bens se dar tanto judicialmente, a exemplo do que ocorre com o casamento, como extrajudicialmente (se ambas as partes forem capazes), perante o Registro Civil de Pessoas Naturais (“RCPN”), nos termos do Provimento do Conselho Nacional de Justiça (“CNJ”) nº 37/2014, com a redação dada pelos Provimentos CNJ nº 141/2023 e 146/2023.

Embora seja requerido que o pedido de alteração de regime de bens da união estável seja apresentado ao Oficial do RCPN por ambos os conviventes, não se exige que se trate de um pedido motivado, o que se mostra condizente com o princípio de intervenção mínima do Estado no Direito de Família acima mencionado. Em qualquer hipótese, contudo, deverão restar preservados os direitos de terceiros de boa-fé, inclusive credores dos conviventes cujos direitos já existam antes da alteração do regime.

A preservação dos direitos de terceiros nos casos de alteração de regime de bens no casamento e na união estável se dá, inclusive, pela impossibilidade de se opor a alteração àqueles que porventura já adquiriram tais direitos na vigência do regime anterior. Por essa razão, consolidou-se o entendimento de que a mudança de regime de bens somente produz efeitos prospectivamente (ex nunc), ou seja, da data da mudança em diante. Este entendimento, embora não esteja legalmente previsto no caso do casamento, consta expressamente do Provimento CNJ nº 37/2014, com a redação dada pelos Provimentos CNJ nº 141/2023 e 146/2023, no que tange à união estável.

Ainda, na prática, por ocasião da alteração do regime de bens seja no casamento, seja na união estável, celebram-se pactos que passam a refletir a realidade do novo regime, especialmente quando a opção, na alteração, é por um regime diverso do legal. Tratando-se de casamento, portanto, trata-se de pactos nupciais, os quais tampouco são expressamente previstos no Código Civil em vigor.

 

O Projeto de Revisão do Código Civil traz os mesmos requisitos que o Código Civil em vigor?

O Projeto de Revisão do Código Civil autoriza que a modificação do regime de bens se processe pela via extrajudicial, tanto em se tratando de casamento, como em se tratando de união estável, prevendo expressamente que tal alteração se dê mediante lavratura de escritura pública, com efeitos prospectivos (ex nunc) apenas e sempre ressalvados direitos de terceiros, sem qualquer necessidade de motivação.

Fica claro, portanto, que a inovação sugerida busca dialogar com os anseios da sociedade, estando em linha com a jurisprudência e a prática acima mencionadas, de modo a desburocratizar um procedimento que deriva unicamente da autonomia da vontade das partes (se respeitados direitos de terceiros evidentemente) e a desafogar o Poder Judiciário.

Ademais, o Projeto de Revisão do Código Civil prevê de forma clara a incorporação ao nosso ordenamento jurídico dos pactos conjugais e convivenciais celebrados após o casamento ou a constituição da união estável, desde que a estes não se pretenda atribuir eficácia retroativa (conforme a redação proposta para os artigos 1.653 -A e 1.656 - A).

Outra inovação interessante nessa seara consiste na possibilidade de pactos antenupciais ou convivenciais preverem a alteração automática do regime de bens após transcurso de um período de tempo prefixado, mantida a tônica de impossibilidade de efeitos retroativos e de preservação dos interesses de terceiros (conforme a redação proposta para o artigo 1.653-B). Sendo automática, tal alteração de regime de bens se operaria, inclusive, independentemente de qualquer recurso ao Poder Judiciário ou a Cartórios de Notas.

 

Qual é o impacto prático dessa alteração sugerida pelo Projeto de Revisão do Código Civil para quem pretende mudar o regime de bens?

As disposições do Projeto de Revisão do Código Civil indicam que o procedimento de mudança de regime de bens no casamento e na união estável se tornará muito mais célere e eficiente – ou até mesmo que seja dispensado em face de uma alteração automática prevista em pacto, facilitando o recurso a essa opção de planejamento patrimonial.

 

Confira  os outros conteúdos da série sobre o Projeto de  Revisão do Código Civil:

 

*Este conteúdo foi produzido em 17 de maio de 2024.

Adriane Pacheco ([email protected]), Izabel Nazarian ([email protected]) e todo time HSA estão à disposição para esclarecer quaisquer questões adicionais relacionadas ao tema. As informações presentes neste conteúdo não devem ser utilizadas para fins de consultoria. Cada caso deve ser analisado de forma individual.